Simplesmente João

Maria João simboliza a liberdade e a criatividade musical e é a viva prova de que não devem existir barreiras na expressão artística de cada Eu
Simplesmente João.

Dia 1 de Outubro assisti ao meu décimo concerto da dupla João e Mário Laginha nos jardins do Palácio de Belém (19/20). Apesar da elevada expectativa, fui mais uma vez arrebatado pelos vocais surpreendentes de João. Indiscritível a quantidade de sensações que se colam a nós quando ouvimos as histórias desenhadas pelas mil e uma sonoridades de João. Toda a música assim deveria de ser. Verdadeira.
João é assim. Única. A sua voz carrega mil texturas e projecta-nos para sítios tão distintos como África, universos de fábulas ou para o imaginário black jazzistico.
Mário Laginha que já vai dispensando apresentações, esteve também e mais uma vez muito inspirado. É, na minha opinião, o melhor pianista português e, curiosamente, o único que consegue trazer o Oriente através das teclas.

O concerto começa com o tema Parrots and Lions, captando a atenção e conquistando o coração de todos os ouvintes. Segue-se a brilhante interpretação dos clássicos Goodbye Pork Pie Hat e I’ve Grown Accustomed to His Face, e dos originais Em Tão Pouco Escureceu Tanto e I Have a Heart Just Like Yours. Cada tema parece, nesta noite, ganhar um novo sentido e uma nova roupagem.
As grandes surpresas da noite aconteceram em quatro momentos. O primeiro ocorreu durante a interpretação de Há Gente Aqui, onde entre conversas e improvisos João lança-se emotiva e profundamente no fado. Segundo momento – a sempre memorável interpretação de Beatriz. O terceiro momento ocorreu durante o original Preto e Branco, música onde a brincadeira ritmo-melódica cede a um espaço mágico. De verdadeira recriação. De total improviso. O público levanta-se, arrebatado, e as palmas não cessam. Este momento dá direito ao regresso de João e Laginha ao palco para nos brindarem com uma fábula, despedindo-se em tom de sonho. When You Wish Upon a Star (your dreams come true).
No entanto, o momento mais alto da noite aconteceu em Cair do Céu. O conto de João intensificado pelo improvisado batuque de Laginha começou calmo e promissor. Aconteceu. João solta-se num improviso único. Explora sons. A arte nasce em todo o lado e a todo o momento. Não sei o que terá passado pela cabeça dos ouvintes. Ora um canto embruxado, ora um choro de uma criança, ora um balão a estilhaçar-se. A arte deve ser assim. Livre!

A noite terminou com um concerto dado por alunos da escola Hot Club, e com um bom e imprevisto encontro com a voz soulful da minha amiga Selma. A bird flying high.

Se te pretendes iniciar no universo João, desvenda-o em concerto. Se te for impossível, aqui ficam duas sugestões. Dois CDs que marcaram a minha adolescência. Cor (17/20) e Mumadji (16/20).

alice

João tem muitas facetas musicais, que vão desde os mais distantes trabalhos com Aki Takase, a novos olhares sobre temas consagrados, em Undercovers (16/20), à brilhante interpretação de temas do cancioneiro brasileiro, em João (17/20), e ao mais recente re-visão sobre standards do Jazz e não só, sempre com a assinatura João e Laginha, em Chocolate (16/20).

(19/20)

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