I care not a jot for immortal life, but only for the taste of tea.» Lu t’ung ou Lu Tung, poeta chinês dos finais do século VIII, inícios do século IX. De acordo com a mitologia chinesa, há cerca de 4700 anos, por volta do ano 2737 a.C., o lendário segundo imperador da China, Shen Nong ou Chen-nong, inventor de nada menos que a roda e a charrua, teria igualmente «inventado» a bebida nacional da China num manifestação de serendipidade em tudo semelhante à maçã de Newton. Conta a lenda que o chá nasceu quando Shen Nong esperava debaixo de uma árvore pela ebulição da água - que reza a lenda o monarca teria igualmente introduzido como forma de prevenir epidemias - e o acaso teria causado a queda de duas folhas e um rebento de Camellia sinensis dentro da água fervente. O aroma que se desprendeu, devido entre outros compostos a metabolitos de carotenóides como teaspirano e iononas, despertou a atenção do monarca que terá assim introduzido um hábito que se tornaria indissociável da cultura chinesa. Embora as origens da bebida estejam envoltas em lendas, é certo que durante a dinastia Tang teve início a sistematização da informação referente ao chá, com a publicação em 780 da primeira obra devotada ao tema, o «Livro do Chá» (Cha Jing) de Lu Yu, um poeta errante adoptado na sua infância por Chi Chan, o abade do mosteiro zen Nuvem do Dragão na província de Hunan. No seu prefácio da tradução do livro, Francis Ross Carpenter realça que antes de Lu Yu, o chá era uma bebida sem nada de especial e Yu com os seus 20 tratados sobre o chá, incluindo um discutindo a importância da água utilizada na sua confecção, transformou uma simples extração com água numa arte ritualizada. Durante as dinastia Tang e Sung eram populares os concursos que tinham o chá como objecto e poetas como Lu Tung, igualmente um mestre do chá, foram inspirados por esta bebida que figura em parte da sua obra. Os japoneses - entre os quais se desenvolveu o cha-no-yu, um complexo ritual envolvendo a preparação e consumo desta bebida -, têm igualmente uma lenda que atribui a Boddhidharma a invenção do chá, mas é aceite que o chá foi introduzido no Japão no início do século IX pelo monge Saicho (mais tarde Dengyo Daishi). Em 804, o imperador Kammu - que tinha transferido a capital de Nara para Heian (Kyoto) devido a lutas de poder entre a aristocracia e a elite clerical budista - enviou para a China duas figuras que, ironicamente, viriam a tornar-se incontornáveis no budismo japonês, Saicho, que para além do chá introduziu o budismo Tendai (ou Tien-t'ai no original chinês) e Kukai que introduziu o budismo Shingon. As formas diferentes de preparação das folhas de chá, dando origem ao que hoje classificamos como chá verde (e branco), preto e oolong, foram introduzidas na China durante a dinastia Ming (1368-1644 d.C) e basicamente têm a ver com o estágio em que as folhas são processadas com calor. Depois de colhidas as folhas, inicia-se um processo designado no léxico do quotidiano por fermentação embora o termo seja incorrecto porque com excepção do chá pu-erh não há qualquer micro-organismo envolvido no processo e a dita fermentação do chá é simplesmente a oxidação, mais concretamente a oligomerização oxidativa, de polifenóis existentes no chá. Os polifenóis constituem um grupo muito diversificado de compostos químicos ubíquos no mundo vegetal e omnipresentes na dieta dos hominídeos ao longo da evolução do homem, que têm merecido a atenção do público em geral nas últimas décadas devido à descoberta das suas propriedades anti-oxidantes - são sequestradores (scavengers) de radicais livres, o que inibe inúmeras doenças mediadas por estas espécias. Os polifenóis presentes no chá, que representam cerca de 30% da matéria seca das folhas frescas, incluem flavonóides, flavonas, isoflavonas e ácidos fenólicos, mas são constituidos principalmente por flavonóis (3-hidroxiflavonas ou catequinas), os compostos oxidados durante a «fermentação». O chá e o chocolate são as fontes de catequinas mais importantes da nossa dieta. Nos chás verde e branco o processo de oxidação é inibido com calor (que desactiva as enzimas polifenol oxidases) logo após a colheita e a sua composição é semelhante à encontrada nas folhas acabadas de colher. No chá preto a desactivação térmica da enzima é efectuado após oxidação extensiva dos flavonóis dando origem a dímeros e oligómeros sortidos, como bisflavonóis, teorubígenos (thearubigins) e teoflavinas (theaflavins) que dão conta de aproximadamente 25% do peso seco do chá preto. O chá oolong sofre uma oxidação muito curta pelo que este chá apresenta catequinas mono e oligoméricas. As referências ao chá mais antigas na Europa datam do século XVI encontram-se no Delle Navigationi et Viaggi, escrito em 1559 por Giani Battista Ramusio e em textos de frei Gaspar da Cruz, um padre jesuita português, o primeiro ocidental a escrever sobre o chá. Portugal foi igualmente o primeiro país europeu a estabelecer rotas comerciais com a China, por volta de 1515, e tudo indica que terão sido os padres jesuítas nacionais que evangelizavam nessas terras longínquas os introdutores na Europa do consumo do chá. Mas Portugal, entretanto sob domínio espanhol, conheceu uma extensão nos seus entrepostos no Oriente da Guerra dos Oitenta Anos. Foram assim os holandeses, dotados de uma poderosa frota no início do século XVII e posteriormente os ingleses que dominaram o comércio do chá. A palavra mais habitual na China para chá é «cha», nomeadamente em mandarim e cantonês, mas é «te» (pronunciado «tay») no dialecto de Xiamen (Amoy), na província de Fujian, onde a partir de 1602 se estabeleceram os «Hong Mao», os mercadores holandeses da Verenigde Oost-Indische Compagnie (Companhia Holandesa das Índias Orientais ou VOC), que adoptaram e disseminaram a designação local. Tay evoluiu para «tea» no território britânico embora em alguns locais, como em Liverpool, se designe a bebida nacional britânica por «tchá». Na Europa, apenas gregos, russos e portugueses escaparam a esta etimologia mas em muitas outras áreas do mundo, por exemplo na Turquia, Ásia e países árabes, a bebida é designada por uma variante de «chai» ou «shai». Embora muitos ingleses considerem que o chá foi introduzido em Inglaterra em 1579 por Christopher Borough, o seu consumo só se generalizou após o casamento da infanta Catarina de Bragança com Carlos II de Inglaterra. A futura rainha levava no dote, para além das possessões portuguesas de Bombaim e Tânger, não uma arca de chá como é muitas vezes referido, mas o conhecimento da bebida. Catarina introduziu várias inovações na corte inglesa, muito provavelmente o hábito do consumo de chá, mas igualmente o uso de baixela de porcelana, comum na corte nacional mas desconhecida em Inglaterra, onde se utilizavam pratos de ouro e prata - as primeiras fábricas de porcelana inglesa foram fundadas em meados do século XVIII, em Chelsea (1743) e Worcester em 1751. As origens do emblemático ritual britânico de consumo de chá em delicadas chávenas de porcelana pode assim ser traçado a Portugal. Mas é certamente uma «invenção» britânica sem influências portuguesas a insistência em adicionar leite à aromática bebida. Até há poucos dias, considerava-se que para além de arruinar o sabor, o leite arruinaria os benefícios para a saúde dos polifenóis presentes no chá. A revista Nature divulgou recentemente o trabalho de um grupo de investigação da Universidade de Aberdeen, no Reino Unido, que concluiu que a adição de leite não interfere na química do chá. Os cientistas chegaram a esta conclusão através da medição dos níveis de alguns polifenóis no plasma sanguíneo de nove jovens saudáveis, medidos após a ingestão de chá preto e chá preto devidamente arruinado com leite. Mas este trabalho não convence Simon Langley-Evans, o cientista da Universidade de Nottingham que conduziu ensaios análogos em 2000 e verificou que em alguns indíviduos o aumento do poder anti-oxidante do plasma - medido pelo FRAP (ferric reducing antioxidant power) - induzido pelo consumo de chá era anulado se a este fosse adicionado leite. Arriscaria afirmar que quaisquer que sejam os resultados dos ensaios em maior escala recomendados por Langley-Evans, poucos serão os que fora do mundo anglo-saxónico se converterão a essa mania bizarra de estragar duas bebidas que pessoalmente muito aprecio separadas... |