O
carbono, o elemento que estabelece ligações com
praticamente todos os
outros elementos da Tabela Periódica, formando compostos
orgânicos,
inorgânicos e organometálicos, e, como referiu Primo Levi
no livro «A tabela periódica»,
«é o único capaz de ligar-se a si mesmo em longas
cadeias estáveis», é
sem dúvida o elemento da vida, pelo menos da vida como a
conhecemos.
A facilidade com que o carbono forma compostos com outros elementos
químicos e a abundância cósmica do carbono, formado
nas estrelas
pelo processo triplo-alfa - três núcleos de hélio
fundem-se num núcleo
de carbono -, ajuda a explicar que das moléculas já
identificadas no
meio interestelar a grande maioria (˜75%) seja compostos de carbono.
Apenas uma pequena percentagem dos meteroritos que atingem a Terra
são
meteoritos do tipo condrito carbonáceo, ricos em compostos de
carbono,
mas alguns, como o Murchy, revelam surpresas que nos ajudam a perceber
a origem da vida.
Os 100kg do meterorito Murchison, que caiu perto da
localidade homónima
na Austrália em 1969, tornam-no complicado de passar
despercebido. Para
além disso, a sua análise e a discussão do que
esse análise revelou
produziu uma massa de artigos científicos que rivaliza em
envergadura
com o Murchy.
A análise
do meterorito revelou que este apresentava aminoácidos comuns
como a
glicina, alanina e ácido glutâmico mas também
aminoácidos menos comuns
como isovalina e pseudoleucina. O relatório
inicial
indicava que as duas formas destes aminoácidos - alguns
aminoácidos
apresentam dois isómeros ópticos, como um objecto e a sua
imagem no
espelho, designados por L e D - estavam presentes em quantidades
iguais (uma mistura racémica) mas análises
posteriores revelaram que a forma L ou levógira se encontrava em
excesso.
As
proteínas que nos constituem são cadeias mais ou menos
longas,
dependendo da proteína, de aminoácidos. Na esmagadora
maioria dos
organismos são apenas incorporados os isómeros L, embora
alguns
caracóis do mar incorporem isómeros D, igualmente
abundantes na parede
celular de bactérias.
Mas as surpresas do Murchy não ficaram por
aí. Detectou-se ainda a presença de uma mistura complexa
de
hidrocarbonetos (semelhante à encontrada na experiência de
Miller-Urey)
e verificou-se que essa mistura complexa de hidrocarbonetos dava origem
a vesículos em água, estruturas auto organizadas que
funcionam como as
membranas celulares!
Como notou
Dave Deamer
da UCSC «Toda a vida hoje em dia é celular, e as
células são definidas
por membranas que separam o citoplasma do mundo exterior. Quando a vida
começou, em algum ponto tornou-se compartimentada na forma de
células.
Mas de onde vieram as primeiras membranas celulares? Talvez fossem
compostas de moléculas similares às que descobrimos em
meteoritos».
Se o que aprendemos com o Murchy sobre as nossa própria
origem foi inestimável, outro condrito carbonáceo, o meteorito
Allende,
foi precioso quando revelou em 1973 uma nova área, a
cosmoquímica - a
ciência que estuda a evolução química da
galáxia através do estudo de
meteoritos. Donald Clayton e os seus colaboradores descobriram nesse
ano ao analisar o Allende que os isótopos de oxigénio nos
minerais
presentes não reproduziam a abundância relativa encontrada
na Terra.
Na
altura pensava-se que a nebulosa solar tinha perdido a
«memória», isto
é, que o material interestelar proveniente de diversas estrelas
se
tinha «misturado» de forma homogénea e
isotrópica (igual em todas as
direcções) e que portanto a abundância relativa dos
vários isótopos
seria igual no nosso cantinho do Universo. Depois da descoberta de
Clayton, foram descobertos grãos pré-solares em
vários meteoritos,
matéria das estrelas que viveram e morreram antes de se ter
formado o
nosso Sol. Actualmente sabemos que as diferentes estrelas produzem
elementos químicos com relações diferentes entre
os isótopos, e que o
sistema solar é uma mistura de material proveniente de
várias fontes
estelares. Estes meteoritos são testemunhos «vivos»
dos primeiros
instantes do nosso sistema solar, que guardam informação
química sobre
o material a partir do qual ele se formou.