Há uns tempos foi notícia nas televisões nacionais um gel «mágico» feito de bagas sortidas, nomeadamente framboesas e outros frutos vermelhos, que teria efeitos fantásticos na cura de certos tipos de cancro. As antocianinas, os compostos que dão cor aos frutos envolvidos, e outros polifenóis que se associam às antocianinas, são chamadas os canivetes suiços das plantas.

As antocianinas são os pigmentos presentes nos vacúolos de plantas responsáveis por fantásticas exibições de vermelho e azul na Natureza (incluindo as bagas de azevinho tão habituais nesta época) e por fabulosas alterações das cores das folhas de determinadas plantas no Outono. Variando o padrão de substituição, os grupos R1 a R4 no esquema ao lado, temos as diferentes antocianinas naturais, em que R3 e/ou R4 são açúcares, que por sua vez podem ser acilados.

Em tempos considerados um desperdício extravagante de recursos das plantas, que serviriam apenas para atrair insectos polinizadores, hoje em dia há evidências crescentes de que estes flavonóides desempenham um papel muito importante na fisiologia das plantas, nomeadamente são os seus protectores solares, que as protegem dos danos induzidos por excesso de radiação. Assim, a luz determina a acumulação de antocianinas essencialmente pela activação dos factores de transcrição que regulam a sua biossíntese.

Por outro lado, estes compostos ubíquos no reino vegetal acompanham a dieta humana desde o despontar da espécie humana pelo que não é de espantar que tenhamos evoluído bons usos para eles.

Desde a descrição em 1663 por Robert Boyle dos efeitos ácido-base em pigmentos de origem vegetal, que se tem estudado extensivamente os equilíbrios ácido-base exibidos por estes compostos. Assim, o catião flavílio vermelho, AH+, participa em solução aquosa numa série de equilíbrios acoplados envolvendo uma hidratação inicial que produz o incolor hemiacetal, B, que tautomeriza em chalconas amarelo pálido. A desprotonação do catião produz a forma básica quinoidal, a forma A responsável pela cor azul.

A forma vermelha das antocianinas só é estável em meio ácido - o que impede que as antocianinas sejam utilizados como corantes alimentares excepto em alguns casos, como o Dr. Pepper, um refrigerante análogo à Coca-Cola. De igual forma, também em meio básico são as formas incolores que predominam. Mas a Natureza desenvolveu estratégias químicas para estabilizar as cores vermelha ou azul nos vacúolos das plantas.
 
Já em 1913, Richard Willstätter observara que o mesmo pigmento pode dar origem a diferentes cores, como é o caso das hortênsias da figura inicial (em que a cor azul é induzida por Al3+ adicionado ao canteiro respectivo). Num exemplo mais drástico em termos de cores, a cianina é a responsável pela coloração quer das centáureas azuis quer das rosas vermelhas.


Um pequeno aparte para falar das centáureas (Centaurea cyanus), as singelas flores chamadas «cyan» (azul) na Roma antiga, que preenchem o nosso imaginário deste tempos imemoriais. A sua origem está envolta em lendas sortidas, como indicado pelo nome que tem origem no mítico centauro Quiron, que Ovídeo nos conta ter curado com seiva da centáurea uma ferida no pé feita com as flechas de Hércules. Estão também associadas a Tutankhamon, o menino-faraó do Egipto fascina o mundo desde que a sua tumba foi descoberta em 1922. Depois de meses a examinar todo o espólio funerário encontrado, Carter voltou-se para o sarcófago, constituído por três ataúdes. Dentro do terceiro ataúde (de ouro) estava a múmia de Tutankhamon. Sobre o ataúde jazia uma coroa de flores que entre folhas de salgueiro e oliveira exibia flores de lótus e centáureas.

Voltando às antocianinas, Willstätter atribuiu a enorme variedade de cores possível com estes corantes a valores diferentes de pH na seiva das plantas mas posteriormente foi determinado que o pH dos vacúolos é normalmente fracamente ácido e nunca é básico. De um modo geral, o pH citosólico varia entre 6.5 e 7 e no caso das centáureas é de 4.6, o que tornava a sua cor impossível de explicar apenas com estes equilíbrios.

Pouco depois, Shibata propôs a teoria de que as antocianinas complexam com metais e assim a cor azul das centáureas seria devida à complexação com iões metálicos, hipótese confirmada pelo elegante trabalho na Nature de Kosaku Takeda, em 2005, que mostrou a estrutura do complexo supermolecular responsável pela coloração destas flores, composto de 4 iões metálicas (um ião Fe3+, um ião Mg2+ e dois iões Ca2+) seis antocianinas e uma flavona (outro flavonóide).

Para além dos metais, hoje em dia sabe-se que as antocianinas complexam com ADN, alcalóides, aminoácidos e outros ácidos orgânicos e com uma grande variedade de moléculas genericamente designadas por copigmentos, que incluem outros flavonóides e polifenóis. Não se sabe muito bem as implicações fisiológicas de tal complexação, sabendo-se que nalguns casos protege os copigmentos de danos oxidativos, por exemplo, a complexação impede a oxidação induzida por metais do ácido ascórbico (AsA, a vitamina C cuja falta provoca escorbuto nos humanos) por formação de um complexo estável AsA-metal-antocianina.

Mas sabe-se bem que a copigmentação estabiliza a cor das antocianinas e que a cor exibida por muitas flores e frutos está associada a este fenómeno, ou seja, as antocianinas guardadas nos seus vacúolos a pH próximo da neutralidade estão complexadas com moléculas sortidas, inter ou intramolecularmente - a complexação intramolecular pode ocorrer via acilação do açúcar pelas enzimas aciltransferases de antocianinas.

Há muito que se sabe que as antocianinas são poderosos antioxidantes in vivo, em que este antioxidantes se refere à sua actividade em relação a radicais livres, por exemplo radicais livres de oxigénio (ROS), responsáveis por uma série de efeitos nocivos e implicados em várias doenças humanas. Quimicamente, as antocianinas, ou antes, os catiões flavílio, são oxidantes, ou seja, a sua afinidade electrónica é muito elevada e como tal oxidam, isto é, removem electrões, outras espécies. Muitos copigmentos, nomeadamente alguns dos melhores copigmentos (que formam complexos mais estáveis) apresentam igualmente uma actividade antioxidante muito importante.

A formação de radicais livres in vivo acontece naturalmente na célula via uma série de mecanismos e pode ser induzida por exposição a factores exógenos como o tabaco, alguns medicamentos, radiação ultravioleta, ozono, etc.. Mesmo sem esta exposição exógena, a produção contínua de radicais livres durante os processos metabólicos levou ao desenvolvimento de muitos mecanismos de defesa antioxidante para limitar os níveis intracelulares destes compostos com electrões desemparelhados e impedir a indução de danos. Os antioxidantes são assim os agentes responsáveis pela inibição e redução das lesões causadas pelos radicais livres nas células e alguns destes antioxidantes são fornecidos na dieta, não só as antocianinas e os seus copigmentos, mas também carotenos, α-tocoferol (vitamina E) ou a curcumina - outro pigmento natural e que confere a cor amarela ao açafrão-da-Índia (e ao caril).

No caso das framboesas, para além de muito ricas em antocianinas como indicado pela sua cor vibrante, estas apresentam elevados teores de ácido elágico, um polifenol também presente nos morangos, toranjas e em algumas nozes. Desde 1985 que se sabe que o ácido elágico, um derivado do ácido gálico, exibe funções anti-mutagénicas e anticancerígenas em culturas de células e em animais - para além de ser um potente inibidor da indução química do cancro - e alguns estudos sugerem ainda que o ácido elágico e alguns elagitaninos têm propriedades inibidoras da replicação do vírus HIV.

Este composto degrada-se facilmente em condições fisiológicas e deve administrado via fruto ou seus transformados. E, quem sabe, os efeitos do gel sejam devidos não apenas ao ácido elágico mas a uma acção sinérgica com as antocianinas presentes nas bagas com que é confeccionado. Entretanto não é má ideia adicionar toranjas, compotas de frutos vermelhos, nozes e pecans à dieta!