O subdesenvolvimento tem suas raízes na herança histórica de cada sociedade, mas se perpetua por razões estruturais. Em geral as lideranças em sociedades com este tipo de problema, são incapazes julgar correctamente, dentro de cada cenário, as mudanças necessárias para impulsionar o desenvolvimento e progresso social, preferindo agir segundo seus interesses e reflexos ideológicos mais imediatos. Muitas vezes tal se passa mesmo quando uma parte substancial de elite intelectual e política tem consciência da necessidade de mudança. Contudo, com grande frequência, a força dos interesses económicos de uma pequena minoria, muitas vezes associada a interesses extra nacionais, impede que as reformas necessárias para se atingir um progresso social harmónico e duradouro sejam levadas a cabo de forma consistente e sustentável. Tal conjuntura implica naturalmente em grandes injustiças sociais, mas também em uma inexorável estagnação intelectual e finalmente económica. Esta estagnação, por sua vez, dá origem a relações de grande dependência, e estas últimas desenvolvem-se a tal ponto que a solução de muitos dos problemas estruturais dos países em vias de desenvolvimento só podem ser alcançadas quando as sociedades mais avançadas passarem elas mesmas por um profundo processo de mudança e renovação.
Do ponto de vista dos grandes grupos económicos internacionais, os países em desenvolvimento são fontes de riquezas naturais onde os ventos da Revolução Francesa ainda não sopraram, e onde as instabilidades sociais e políticas não têm repercuções a nível internacional. Esta conveniente compartimentalização é ideal para o aparecimento de ``barões'' regionais, frequentemente refratários a mudanças de qualquer natureza, e defensores de práticas económicas neo-colonialistas e capitalistas selvagens, muito embora estas se apresentem algumas vezes, como um neo-liberalismo inspirado nos movimentos políticos mais recentes dos países industrializados. Naturalmente, como estes movimentos são incapazes de resolver as desigualdades e impedir a decadência social, mesmo no seio das sociedades modernas que lhes deram origem, estes mostram-se totalmente inadequados para resolver os ainda mais agudos problemas dos países em desenvolvimento. É neste difícil contexto social de injustiças e corrupção de valores que se pretende que a ciência se desenvolva e seja não apenas um critério de verdade, mas também uma fonte de soluções para os problemas concretos das sociedades em vias de desenvolvimento. Espera-se sobretudo que estas soluções sejam independentes das necessidades económicas imediatas das classes dominantes e de sua escala de valores e que estas criem as condições para um desenvolvimento integrado da sociedade. Em tal cenário de subdesenvolvimento e baixo índice de alfabetização, a educação transforma-se automaticamente em instrumento de poder, perdendo o seu valor intrínsico e humanizador, pois refere-se exclusivamente à escala das necessidades típicas das classes dominantes. Tal situação é particularmente aguda, tendo-se em vista que são destas mesmas classes que se origina a maioria daqueles que têm acesso à educação nos países em vias de desenvolvimento. A saída desde ciclo nocivo que perpetua o subdesenvolvimento e impede as reformas de base necessárias para atingir-se um estágio onde o desenvolvimento seja auto-sustentável e assim justificável social e economicamente exige, em nossa opinião, um esforço concertado da sociedade e uma intervenção firme do estado como provedor de educação laica e generalizada. Esta actividade do estado deve, a nosso entender, ser a origem mesma de uma cidadania moderna, substituindo o método surgido da Revolução Francesa onde aquela se forja através do serviço militar obrigatório. O final desde século tem sido rico em lições neste capítulo. Parece-nos completamente incontroverso afirmar que nenhum estado pode controlar importantes sectores da vida económica e social de um país sem prejudicar a longo termo o seu desenvolvimento; por outro lado o estado deve estar necessariamente presente para salvaguardar não somente uma justa repartição da riqueza e garantir bem estar social, especialmente nas áreas da saúde e educação para as camadas mais necessitadas da sociedade, mas também como catalizador do progresso científico e tecnológico, através da mobilização de recursos materiais e humanos. Tal tendência manifesta-se claramente nas sociedades mais desenvolvidas, através do deslocamento da ênfase no acúmulo de capital para a reserva de conhecimento, e concentração de indivíduos altamente qualificados. Tomem-se como exemplos a afluência das sociedades do extremo oriente, onde o desenvolvimento económico foi ali menos um fenómeno derivado da existência de capital e riquezas naturais, que de uma deliberada aquisição de conhecimento e técnicas.
Pensamos que uma refelexão aprofundada destas questões faz-se necessária, para que se possa estruturar de maneira efetiva uma verdadeira estratégia para o desenvolvimento que seja independente de condicionamentos políticos e ideológicos. Na verdade, poucos são os países em vias de desenvolvimento que verdadeiramente compreenderam a urgência da construção desta estratégia num mundo onde a ciência, e de modo mais geral a educação, são mais do que nunca os instrumentos mais apropriados para a construção de uma política de desenvolvimento integrado. É neste contexto, que pensamos ser possível se manter um quadro eficiente, e incólume à corrupção temporal, de artezãos qualificados, técnicos, engenheiros e cientistas capazes de inocular na sociedade os métodos e ideias que são, e virão a ser determinantes, no mundo em que vivemos. Tal elite terá a função de agir como propulsora da evolução cultural e científica, salvaguardando assim as diretrizes importantes para se alcançar o desenvolvimento, garantindo também a educação ética e intelectual das gerações que sucessivamente são formadas. Acreditamos que só então o corpo científico daí derivado terá lucidez e principalmente transparência para guiar a sociedade na solução dos seus problemas.
Naturalmente a construção deste objectivo não pode ser vista como uma tarefa completamente extrínsica ao corpo científico da sociedade. De facto, os seus membros originam-se das classes sociais nela existentes e trazem delas suas idiossincrasias. Ocorre na universidade, assim como no seio de outras instituições, lutas para a conquista dos poderes de decisão, e estas infelizmente subordinam muito frequentemente a um plano secundário os objectivos acima discutidos. Esta inversão de prioridades é claramente nociva, pois coloca sob suspeita a própria existência da universidade como bastião da pesquisa, do ensino, das artes e da cultura e como polo privilegiado no salto para o desenvolvimento. Assim, parece-nos igualmente importante, que ocorra uma importante revisão do sistema de valores que regem o funcionamento da universidade. Tal revisão exige a nosso entender, uma avaliação mais objectiva do desenvolvimento científico das universidades e institutos de pesquisa. Em nossa opinião, a ciência nos países em vias de desenvolvimento, carece não apenas de infra-estrutura e apoio institucional, mas também de critérios objectivos de avaliação. O número de autores, de publicações científicas, e de patentes é escasso, assim como o número de citações na literatura existente e tal conspira para legitimar agentes que no seio das universidades e centros de pesquisa defendem falsos critérios de avaliação e promoção hierárquica elevando muitos vezes aventureiros a paladinos da qualidade. Tal facto gera naturalmente distorções, de forma que mesmo as activadades essencias como a elaboração de livros e artigos cientifícos ou orientação de estudantes é frequentemente banalizada, pois muitas vezes os critérios de avaliação como os que foram acima mencionados são desprezados por razões políticas, ideológicas ou de interesse pessoal. Tais práticas são claramente estranhas ao verdadeiro espírito científico e universitário e são, particularmente perigosas pois recriam no seio dos potenciais actores do progresso o sistema de valores políticos e ideológicos que a universidade deve como tarefa avaliar e examinar criticamente. É claro que se deve sempre valorizar o esforço compreendido no trabalho científico desenvolvido nos países periféricos, uma vez que as dificuldades ali envolvidas são muito maiores. Porém os critérios acima referidos dão uma graduação ao avanço das comunidades científicas e não podem ser esquecidos quando de uma avaliação objectiva da universidade.
Um outro ponto que nos parece merecedor de alguma discussão ainda que superficial, refere-se a perigosa tendência existente mesmo em países mais desenvolvidos de subordinar a investigação fundamental a um papel secundária face a investigação aplicada e tecnológica. A história da ciência é rica em exemplos de descobertas tecnológicas fundamentais de grande impacto que tiveram a sua origem na investigação pura e desinteressada, da lâmpada eléctrica a penicilina, dos computadores ao World Wide Web. Assim, pensamos que esta tendência deve ser evitada nos países em vias de desenvolvimento. Gostaríamos também de salientar que a investigação pura é frequentemente mais barata e mais adaptada à pequena massa crítica de recursos e de colaboradores frequentemente encontrada na grande maioria dos países em vias de desenvolvimento.
Claramente, nenhuma das ideias que temos aqui defendido podem ser aplicadas e têm mesmo sentido antes de se criar um ambiente favorável à eliminação do privilégio imanente do poder económico. Pensamos que o verdadeiro propulsor das sociedades modernas são a educação, a criatividade e o conhecimento e que estes devem substituir os valores da cultura do dinheiro. Pensamos ser esta a base de uma democracia moderna e acima de tudo os fundamentos de uma verdadeira cultura democrática.