Lisboa, 26 de Novembro de 1999        

Sociedade Portuguesa de Física         

É naturalmente muito importante a celebração dos 25 anos da SPF. Porém, é fundamental não se perder de vista que a maioridade conquistada por esta instituição implica necessariamente numa mudança qualitativa na natureza da sua intervenção e de seus objectivos.

Penso que os próximos 25 anos da SPF poderão vir a ser os mais importantes da sua história, se esta instituição assumir um papel de liderança duma discussão profissional dos problemas que afligem a física em Portugal e de suas soluções.

Para dar início a esta discussão, eu me permito enumerar algumas questões para reflexão que considero relevantes:

1) É gritante que estando a física portuguesa, que tem qualidade internacional, a ser essencialmente levada a cabo nas universidades não exista no seio destas qualquer estímulo concreto para o seu desenvolvimento. As condições de trabalho existentes são, via de regra, más, a carga horária das actividades pedagógicas é excessiva e indiferenciada, assim como o são os salários e as condições materiais disponíveis. Ainda mais grave é o facto de não existir, na prática, uma carreira universitária na qual sucesso científico e pedagógico impliquem em promoção e aumento de direitos e responsabilidades. O sistema funciona à base do casuísmo da abertura de vagas, da arbitrariedade de critérios de avaliação dos concursos, sem ter em conta o impacto negativo que tais práticas têm na qualidade da produção e na performance do sistema.

2) Ainda nesta linha, parece-me fundamental que a SPF promova uma discussão aprofundada e alargada visando chegar a um conjunto de recomendações e a uma estratégia de atuação com relação à questão de reformulação do Estatuto da Carreira Docente Universitária. Parece haver um consenso no diagnóstico de que o presente estatuto é anacrónico e incompatível com a agilidade e vitalidade que o sistema universitário exige para fazer frente aos desafios da modernidade. Contudo, não me parece que haja muitos pontos comuns nas propostas que o substituem. Na minha opinião, a introdução de mecanismos de diferenciação e progressão por mérito absoluto parecem essenciais para que o sistema não funcione somente com base no voluntarismo daqueles que estão na base da pirâmide hierárquica. Parece-me também importante a criação de mecanismos práticos para que as carreiras universitárias e de investigação sejam reciprocamente permeáveis. Também importante é a necessidade de se criar mecanismos para a mudança constante dos quadros e para que elementos destes possam mais facilmente transitar entre universidades diferentes.

3) A discussão e um conjunto de soluções para os problemas acima mencionados parece fundamental para se resolver aquele que considero ser o maior desafio à física portuguesa, nomeadamente, garantir que o esforço de formação de quadros que tem sido desenvolvido até aqui, tenha continuidade e seja assegurado que aqueles que têm mérito e querem entrar no sistema académico possam faze-lo a uma taxa que não seja desistimulante para os jovens. Também importante é que neste processo se deem sinais claros de que a admissão ao sistema é com base exclusiva na qualidade. O paradoxo que vivemos no momento é que assistimos à emergência duma nova geração com altíssimas qualificações científicas, mas que encontra grandes obstáculos para a sua incorporação no sistema e numa forma que lhe permita trabalhar em condições que sejam minimamente competitivas.

4) A necessidade duma eficiente articulação da SPF com o Ministério da Ciência e Tecnologia e a Fundação para a Ciência e a Tecnologia parece fundamental quando do lançamento de programas e discussão de prioridades científicas nacionais. Deve ser tarefa da SPF promover a discussão para que estas prioridades se cristalizem e reflictam os legítimos anseios da comunidade científica portuguesa como um todo. Naturalmente, a discussão de prioridades cria imediatamente propostas antagónicas e mutuamente excludentes, contudo é crucial que da diferença de opiniões surjam propostas de compromisso, devendo caber à SPF a função de mediadora e promotora de consensos. Eu gostaria de finalizar mencionando alguns pontos possíveis de discussão:

a) Necessidade duma instalação nacional de supercomputação disponível à comunidade científica sem grandes restrições e obstáculos burocráticos.

b) Necessidade duma instalação nacional sincrotrónica de modo a integrar áreas da física nuclear, física dos materiais, etc ...

c) Necessidade dum telescópio de pequeno porte para a emergente e futuramente numerosa comunidade de astrónomos e astrofísicos.

Orfeu Bertolami

Instituto Superior Técnico, Departamento de Física