Em
1914 muito era o sofrimento na aldeia devido à 1ª Guerra Mundial, que
para além de tirar muitos filhos à terra, trazia miséria
e sufoco.
Há quem se recorde de histórias
horrendas passadas por detrás deste pano preto, como uma cena de um
acto numa peça de teatro.
Lembra-se a tia Encarnação que
quando pequena habitavam as Frádigas famílias de pedintes que
ficavam a residir e a trabalhar na agricultura para outros, em troca de um
pedaço de pão menos duro e uma tijela de azeite em que o pudesem ensopar
para tirar a fome.
Recorda-se que por haver tanta miséria,
um homem certo dia, roubara uma outra família, um pouco mais abastada,
para tirar a fome aos filhos, pequenos chorões sem roupa nem calçado,
mortos de frio e de fome.
Recorda-se que ao levantar do pano preto, alguém
o descobrira e o povo teve sede de justiça. Sentindo-se traídos
por terem acolhido uma família e terem sido roubados, enchendo o homem
de chouriças e murcelas, enchotaram-no da aldeia, batendo paus no chão
e marchando como soldados, gemendo em tom alto "...LADRÃO! LADRÃO! LADRÃO!...".
Encarnação ainda hoje se recorda,
passados tantos anos, daquele dia em que corria atrás do pobre homem,
como os outos, atirando-lhe com pedrinhas e pauzitos, por assim ver fazer
a todos...Ainda hoje sofre por não ter percebido de tão pequena
que era, a injustiça que estava a cometer.
Foi assim humilhado o pobre homem por ter tido
apenas a ousadia de ter roubado um pouco de comida para tirar a fome aos filhos.
Resta-nos julgar...justiça ou injustiça?
Catarina Pereira 2000
© Zelincú &Escarabatafuncho Productions 2000